segunda-feira, 12 de setembro de 2022

CULTURA NAS ELEIÇÕES





Na proximidade das eleições, nossos candidatos à presidência  pouco falaram sobre a situação da Cultura no país. No holofote de pendências ainda maiores como a economia e a saúde, o assunto torna-se quase que esquecido pelo eleitor. Por esse motivo, eu trago para você algumas ideias e propostas de candidatos que já falaram abertamente sobre seus planos para a Cultura, caso sejam eleitos.

No último dia 26 de agosto, em entrevista coletiva em um hotel da zona sul do Rio de Janeiro, acompanhado do ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSB) e do candidato ao governo fluminense Marcelo Freixo (PSB), Lula disse que vai restabelecer o Ministério da Cultura e criar comitês culturais na capital de cada unidade de federativa, se for eleito. Ainda na ocasião, pontuou: “Você fala do Rio de Janeiro, você quer falar de cultura, você quer falar do Rio e eu acho que nós precisamos recuperar esse simbolismo das coisas boas do estado”.

Na quinta-feira (1º), participando de um evento com artistas da cultura popular do Pará, no Theatro da Paz, em Belém, o petista voltou a prometer a recriação do Ministério da Cultura, extinto no início do governo de Jair Bolsonaro (PL). “A cultura pode gerar muitos empregos, mas muitos empregos. Cada vez que você convoca um show, por menor que ele seja, tem dez pessoas arrumando o som, dez arrumando eletricidade, dez cuidando da caixa de som, dez batucando alguma coisa. Eu acho que gera mais emprego do que as indústrias mesmo, gera muito mais emprego, e gera prazer, gera alegria, gera conhecimento. Então nós vamos retomar o Ministério da Cultura”, pontuou Lula.

Além disso, falou que criará comitês estaduais de cultura, em um eventual governo, e falou sobre a importância desta: “Nós temos que levar em conta que a cultura de um país e a cultura de um povo é uma das coisas mais importantes e é o que dá para nós civilidade, nacionalidade e dá respeito. É preciso parar de tratar a cultura como gasto. ‘Ah, eu gastei 20 milhões, eu gastei 30 milhões’. Você não gastou. Você investiu 30 milhões em cultura. Essa é a mudança chave que nós temos que ter”.

O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, por sua vez, falou sobre cultura nesta sexta-feira (2), citando feitos de seu governo no Twitter. “Em junho de 2020, pela Lei Aldir Blanc, o Governo Federal liberou R$ 3 bilhões como renda emergencial para 2,7 milhões trabalhadores da cultura atingidos pelo fecha tudo irresponsável e pelo ‘fique em casa que a economia a gente vê depois'”, iniciou, com ataque aos chefes de Executivos que adotaram medidas restritivas para conter o avanço do coronavírus. “Investimento de R$ 7 bilhões de reais no setor cultural brasileiro entre 2020 e 2021.

A Secretaria de Cultura aprovou, em 11 semanas, 4.203 Planos de Trabalho beneficiando artistas de 4.176 municípios. 162 Pontões de Cultura receberam certificados para exercer suas atividades e 150 empreendedores foram capacitados no Mercado das Indústrias Criativas do Brasil (MICBR). O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) investiu R$ 25 milhões na restauração e reforma de 10 obras em vários estados. “Para o ano de 2022, estão previstos investimentos de cerca de R$ 295 milhões para o restauro de 31 obras, apenas no Iphan”, completou o presidente.

A manifestação veio três dias depois de o Governo Federal publicar uma Medida Provisória (MP) que adia os repasses aos setores da cultura e de eventos previstos nas leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2. A medida, publicada no Diário Oficial da União na segunda-feira (29), tem validade até o dia 27 de outubro e pode ser prorrogada por mais 60 dias. Ambas as leis determinam investimentos bilionários no setor cultural e têm como objetivo apoiar os profissionais afetados pelas restrições da pandemia de Covid-19.

No primeiro dia da campanha eleitoral, a senadora Simone Tebet prometeu recriar o Ministério da Cultura e implementar a Lei Aldir Blanc se for eleita: “No meu governo, a cultura não será mais um ‘puxadinho’ do Ministério do Turismo, como é hoje. Além de contar com um Ministério próprio, entre outras ações, vamos implementar a Lei Aldir Blanc, que destina R$ 3 bilhões anuais ao setor, até 2023, e não está funcionando”. A declaração foi dada no primeiro ato oficial da campanha da parlamentar — uma reunião com representantes da área cultural, na capital paulista.

Também no encontro, Tebet disse que o “a cultura gera emprego e pode ajudar a alavancar a economia do Brasil” fez críticas ao tratamento dado tanto pela gestão de Bolsonaro como as de Lula e Dilma Rousseff (PT) à cultura; segundo a senadora, o atual governo promove um “sucateamento” da área e os governos petistas a geriram com conotação ideológica, sendo que, em suas palavras, “a cultura precisa de imparcialidade”. A parlamentar prometeu ainda não contingenciar o Fundo Nacional de Cultura em uma eventual gestão sua, e disse que a Lei Rouanet deve ser atualizada e que a sociedade brasileira precisa se aproximar do nível de investimento dedicado pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para o setor cultural.

Já em 23 de agosto, em visita ao Teatro Bolshoi, em Joinville (SC), voltou a defender o investimento em cultura no Brasil e a prometer a recriação de uma pasta específica para esta. “Terá autonomia administrativa, financeira, para fazer aquilo que nós precisamos. Um povo sem passado, um povo que não conhece a sua história, é um povo que não tem futuro”, acrescentou. Nesta sexta-feira (2), Tebet foi recebida com uma festa popular no Ver-o-Peso, em Belém. Na ocasião, esboçou passos do carimbó, uma dança cultural do Norte do país, e elogiou a celebração: “Que folia boa”.

A presidenciável do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, Vera Lúcia, atacou a atuação do governo Bolsonaro em relação à cultura e apresentou pontos que sua campanha defende, em relação à área. “O setor cultural é constantemente atacado por Bolsonaro, inimigo da cultura e das artes. Através de Medida Provisória, ele quer suspender os efeitos da Lei Paulo Gustavo para o exercício de 2022 e empurrar para 2024 o inicio da Lei Aldir Blanc 2. É um absurdo! Esta ação mostra o inconformismo de Bolsonaro com a sua derrota no Congresso. Os trabalhadores da cultura já estão organizando os projetos para 2023 em todo o país. Não podemos aceitar essa MP autoritária. Precisamos defender a cultura e seus trabalhadores”, iniciou Vera.

Na sequência de tweets, acrescentou: “Defendemos a mais plena liberdade de criação cultural. Abaixo todos os tipos de censura! Apoio estatal para a criação e difusão da cultura popular musical, poética, plástica, do teatro e cinema; Construção de espaços artísticos nos bairros populares que permitam a expressão e desenvolvimento de nossos artistas e da juventude;  Projetos culturais voltados às comunidades indígenas e quilombolas; Reconstrução do Ministério da Cultura; Apoio aos festivais de cinema, literários, musicais e de dança; Criação de museus, bibliotecas e salas de cinemas em todas as cidades brasileiras; Fortalecimento da Ancine; Construção nacional de um plano de cultura, construído em conjunto com os trabalhadores da área”.

O técnico de mecânica Léo Péricles, presidenciável da Unidade Popular (UP), citou o investimento em cultura para juventude como parte de uma política de segurança pública. Conforme ele, “a maior política de segurança pública que pode acontecer são grandes investimentos em saúde, em educação, em emprego, em política de esporte e cultura para a juventude”.

O cientista político Felipe D’Avila, candidato do Novo a presidente, apresentou sua visão sobre cultura em entrevista em entrevista ao Pânico, da Jovem Pan, no dia 30 de agosto. “Tem duas coisas importantes na cultura, tem que separar um pouco a cultura. O que eu digo é assim: cultura de entretenimento é só lei de mercado”, afirmou, quando questionado se é função do governo subsidiar a cultura. Depois de uma interrupção, prosseguiu: “O que é entretenimento na cultura tem que viver só do mercado. O que é patrimônio cultural, no mundo inteiro é subsídio. Você não consegue manter”. Um exemplo de patrimônio cultural dado pelo político foi museu. “se você não tiver memória, acabou, vai todo mundo emburrecendo, então tem uma parte da cultura que vai ter que ter subsídio público, não tem jeito. E tem outras coisas que eu chamo de subsídios temporários para você fazer a coisa decolar”, disse.

Para detalhar a última ideia, relembrou uma ocasião em que fez uso da Lei Rouanet: “Eu tinha uma revista de cultura, era a Bravo!, a gente começou usando 30% da receita, no começo era a Rouanet. Foi caindo, caindo, depois ficou 0, depois só o mercado entrou, porque só o mercado anunciava. Então você ter uma coisa para dar um empurrão, para criar uma revista de cultura, tal, legal”. D’Avila defendeu a existência de subsídios do governo para o que aumente “a conscientização cultural das pessoas de patrimônio”. Segundo ele, o que é “ruim em subsídio é viciar a indústria ou o que seja da cultura”.

Importância

A doutora em educação e mestre em música Luciana Requião, coordenadora do Grupo de Estudos em Cultura, Trabalho e Educação (GeCULTE) da Universidade Federal Fluminense (UFF), avalia que, no geral, os candidatos à Presidência não abordaram o tema cultura, no período da campanha, “de uma maneira devidamente aprofundada, com dados, com conhecimento, com diálogo com a sociedade”. Ela reforça que a área “engloba todo tipo de discussão, desde a economia, trabalho, a questão da comunicação, educação”.

Para a professora, dar uma “atenção específica”, seja por meio da reestruturação do Ministério da Cultura ou o retorno da pasta para o Ministério da Educação é o mais importante para o setor neste momento. Entretanto, acrescenta, “é muito importante pensar que a cultura não é só mercado”. “Tem o lado do mercado, da indústria criativa, do trabalho, de cuidar do trabalho das pessoas que trabalham no setor cultural. Mas tem outro que também precisa ser visto, que é a cultura enquanto humanidade, enquanto formação humana, essa cultura que tem que estar nas escolas, as escolas podendo virar grandes centros culturais.”

Também conforme a especialista, “a cultura precisa de investimento” e, dessa forma, a existência de um ministério específco para a área “já é um bom sinal”, mas não basta. É preciso uma política “que especifique melhor de que maneira os recursos vão ser aplicados, vão ser distribuídos, como que eles vão se dar nessas diferentes leis que vão aparecendo, como a Lei Rouanet”.

O professor Dennis de Oliveira, coordenador científico do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (CELACC USP), pesquisador na área de cultura popular e doutor em ciências da comunicação ressalta que “cultura movimenta um setor produtivo significativo”. “Quando você tem investimento em cultura, você movimenta uma cadeia produtiva, e a cultura ela não se restringe apenas a esse universo de artistas mais consagrados, mas você tem uma produção cultural popular muito grande e capilarizado em vários grupos”.

De acordo com ele, o campo pode até mesmo apresentar soluções para dificuldades do Brasil na economia, e a sociedade brasileira não tem realizado “esse debate”. “É claro que a recriação do Ministério da Cultura é importante. Mas não se limita apenas ao órgão de governança, o que é importante é debater quais são os projetos de programas, quais fontes de recursos e quais são as qualidades nessa área”.

Na visão do especialista, o mais urgente para o setor cultural no país, atualmente, é retomar os marcos regulatórios da cultura e as instituições culturais e, “a partir daí então, pensar uma pactuação que possa restabelecer as bases de gestão de cultura no Brasil”. Dennis acrescenta que “quando você começa a ter uma vivência com a produção cultural própria num país, você começa a ter um conhecimento maior, inclusive isso possibilita que você tenha aí um tipo de consciência diferente para pensar o país”.

Outros candidatos

Ciro Gomes (PDT), Soraya Thronicke (União), Sofia Manzano (PCB), José Maria Eymael (DC) e Pablo Marçal (Pros) não falaram publicamente sobre cultura, no período da campanha eleitoral, até sexta-feira. Entretanto, o tema está em suas propostas de governo registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O pedetista afirma que a cutura “é muito importante” em seu “Projeto Nacional de Desenvolvimento, porque nela se afirma a identidade nacional, hoje gravemente ameaçada, não só por hábitos de consumo, mas também por uma estética internacional que tem repercussões práticas nos desejos, hábitos de consumo e na própria felicidade das pessoas”. Além disso, promete, entre outras coisas, estimular manifestações culturais, como as danças e o grafite, regular os serviços de streaming e “investir na democratização do acesso, na fruição e na expansão do consumo de bens e serviços culturais, por meio de políticas que ampliem e popularizem o acesso à cultura e ao lazer, criando espaços de fomento, desenvolvimento e interação”.

A proposta de Thronicke diz que “o setor cultural não é valorizado como devia, contudo, é responsável por produzir 2,5% do PIB nacional”. Entre as propostas para um eventual governo, estão capacitar tecnologicamente profissionais da cultura, e fortalecer as manifestações culturais típicas e o “o sistema de infraestrutura audiovisual, games e outras atividades virtuais, propiciando o acesso a museus digitais, com caráter educativo, de entretenimento e turismo. Investir na produção de aplicativos culturais de fácil acesso à população”.

Manzano promete, por exemplo, um “resgate da cultura popular e de massas, buscando romper com os interesses dos monopólios dominantes nacionais e internacionais e com a mercantilização da cultura e das artes”. Outra promessa é incentivar a “criação de espaços culturais nos bairros, como forma de garantir o amplo acesso da população às artes e o surgimento de novos talentos culturais nas regiões populares”.

A proposta de governo de Eymael traz como diretriz para área “promover a CULTURA através de ações de governo, políticas de incentivo e parceria com a iniciativa privada, visando a criação de novos espaços culturais e a produção cultural nas suas várias manifestações, e ainda: a) Valorização da diversidade e da pluralidade no financiamento de atividades culturais. b) Fazer da cultura e da identidade nacional, vertentes da escolarização brasileira. c) Resgate e valorização da cultura e da identidade nacional”. Já Marçal promete “recriar o Ministério da Cultura com a implantação de políticas públicas que visem o incentivo, a divulgação e o acesso à cultura, tendo em vista que a identidade de um povo é perpetuada pelas memórias advindas de seu processo criativo, artístico e cultural”. “Reafirmamos o compromisso de fortalecer, financiar e promover toda espécie de atividade artística e produção cultural que elevem os padrões de nossa cultura, principalmente dos iniciantes e pequenos artistas”, completa.

Segundo o professor Dennis de Oliveira, os programas de governo de todos os candidatos a presidente neste ano, em decorrência da “polarização político-eleitoral”, estão baseados em outros temas que não a cultura, como a economia, crise social e corrupção. “Historicamente, o tema da cultura nunca é prioridade num debate no período eleitoral. Raramente se discute cultura. Embora os candidatos tenham em seus programas, mas raramente isso tem visibilidade. E agora, em função dessa polarização ideológica das eleições, a partir de outras temáticas, esse tema da cultura então fica mais invisibilizado ainda”, analisa.